Que fazer quando há tão pouco para ver?
É verão e na televisão nada mexe. Tenho a sensação que é o verão com menos estreias de sempre, talvez pela quantidade de regressos e funerais anunciados, mas nem se pode dizer que nas estreias seja um ano mau, se Mistresses, King & Maxwell e Orange Is The New Black ou The Bridge (US) são um desapontamento, se me é permitido o eufemismo, temos algumas surpresas agradáveis.
Este Verão a novidade digna de atenção é Under The Dome. Que durante o verão arranca audiências que fazem inveja à maioria dos programas dentro da temporada. Pode-se dizer que é falta de concorrência, mas se isso fosse desculpa então Mistresses, Camp, Save Me ou Goodwin Games também deviam ter sido êxitos.
O que é ainda mais agradável acerca do sucesso de Under The Dome é ser o sucesso de uma série de ficção cientifica após os sucessivos falhanços de lançar séries do género durante a temporada nos últimos anos. A ironia é que em termos de produção nem é um conceito caro de implementar. Under The Dome conta a história de uma pequena cidade que fica isolada do exterior por uma campânula invisível que aparece de forma instantânea.
Porque é que Under The Dome resulta onde tantas falharam? Porque o problema principal que as personagens vão enfrentar é definido claramente nos primeiros minutos do episódio. As personagens são introduzidas através de acção que faz sentido para a história e não através de episódios enfiados à força na acção apenas para fazer a caracterização e pouco a pouco vão sendo introduzidos os arcos secundários com as personagens. Os arcos e mistérios secundários são interessantes suficiente para que se sustente a série sem esclarecer o que é a campânula e sem que por causa disso as pessoas se sintam lesadas.
É contar de histórias puro e duro, a história pela história sem perder tempo a apaziguar o ego do/a protagonista (Mistresses), sem gastar os primeiro episódio a atirar ao espectador todos os clichés esperados (Orange Is The New Black), sem permitir um mau casting estragar toda uma série (The Bridge/Kruger).
As coisas boas deste verão não se resumem a Under The Dome, menções muito honrosas são The White Queen, para quem gosta de séries históricas, Devious Maids para quem tem saudades da primeira (e única boa) temporada de Desperate Housewives, e The Fosters, que vista para além do artifício para criar polémica e elevar atenção das mães lésbicas é bastante agradável de seguir. Todas têm em comum não perderem tempo com truques e terem uma história para contar.
Se a versão americana de The Bridge é um desapontamento, nada melhor que relembrar, nas séries antigas a recuperar para este verão, a versão original. A co-producção sueco-dinamarquesa Bron/Broen. Tem tudo o que se pode desejar de um thriler. Um cadáver no meio de uma ponte em cima da linha de fronteira dos dois países obriga os dois policias mais diferentes que se possa imaginar a trabalhar em conjunto.
A primeira coisa que distingue a série original da infeliz cópia americana é o talento da protagonista, Sonia Helin. O seu retrato da polícia na margem do autismo é uma obra prima de contenção e subtileza. Na primeira cena sentimos que Saga, a personagem de Helin, não é igual às outras pessoas mas não podemos dizer exactamente o que é. A reacção de quem vê é exactamente a de uma pessoa na vida real confrontada com uma pessoa na margem do autismo, à ali qualquer coisa, mas não sabemos o que é.
O afastamento emocional de Saga é contrastado com o calor humano e a facilidade de relacionamento com todos ao primeiro encontro de Martin, o colega do outro lado da fronteira. Aquilo que é ordem e pragmatismo acima das convenções sociais em induzido pelo autismo em Saga é tocado em contra-ponto ao calor e vida pessoal tornada caótica pelo excesso de afectos e emoção de Martin. Enquanto estas duas personalidades contrastantes tentam encaixar-se para trabalhar em conjunto um mistério que se vai tornando capa vez mais obscuro e complexo vai se desenrolando em torno do cadáver encontrado em cima da ponte.
Juntamente com os protagonistas vamos sendo levados pelas provas que vão sendo apresentadas a acreditar vezes sem conta que estamos próximos da solução para apenas descobrirmos que temos apenas mais uma peça de um pule de que não sabemos o tamanho. Enquanto perseguem o assassino Saga e Martin vão se mudando um ao outro. Saga, tentando imitar Martin, faz algumas tentativas de ser mais sociável e Martin imitando Saga, tenta ser mais frontal a enfrentar as pessoas à sua volta e a começar consigo próprio.
A versão Americana nação percebe que a beleza desta série está na subtileza com que tudo é tratado. A prova mais evidente é na troca do modelo do carro da protagonista. Na série nórdica, o carro é um Porsche 911 da década de 80. Um objecto incongruente para a pragmática Sagan que segue as regras à letra em todos os aspectos da sua vida, carro esse que é um momento da irmã morta. O mesmo efeito não é conseguido quando se substitui um objecto de fantasia que é um Porsche por um SUV velho. Quando na adaptação não se percebe a simbologia do Porsche na vida da protagonista, não se percebe a subtileza do original. E temos um enorme falhanço a que a falta de talento de Kruger nada ajudou, mas não deixem que o horrível piloto da versão americana vos afaste de uma das melhores séries de 2012. Convém aproveitar o verão para se porem a par dos personagens, porque o Outono está quase aí com a segunda temporada.
Se no mês de Agosto o tempo virar e chover todos os dias a recomendação passa a ser Star Trek, um total de 726 episódios em todas as suas encarnações. Será preciso dizer mais?