Boudoir XXX #04 – The truth is out there

Acabei de ler As Intermitências da Morte. Não, não me encontro confusa em relação ao teor desta crónica. Sei que este espaço está consagrado a outro género, esse das séries. Mas esta minha primeira afirmação servirá de mote para toda a construção que se seguirá, não fosse o caso de séries e literatura por vezes andarem de mãos dadas, qual casal mais ou menos apaixonado.

A morte é um tema, um pensamento, uma realidade que convive a par e passo, não digo tal sombra pois essa desaparece quando a luz também cessa, com os homens. E tal como existem diversos tipos de morte, também existem diversos tipos de reacção à mesma.

Imbuídos na curiosidade que a investigação criminal suscita e de todo o aparato, mais ou menos mediático, o género tornou-se popular na caixinha mágica. E se atingiu o zénite com o CSI, este veio abrir portas e democratizar o género. Actualmente existe uma miríade de séries sobre esse tema, algumas mais bem-sucedidas que outras.

É então que, daquele pequeno país das sereias, lá do norte do Velho Continente surge Forbrydelsen.

E o que torna a série especial? O recuperar de um certo tom negro, do género noir. Aqui não há espaço para sentimentalismos desnecessários, tudo está doseado na proporção perfeita, qual número de ouro.

Outra das singularidades desta série não é uma rapariga loura, mas sim a Inspectora Sarah Lund, que no início da 1.ª temporada, estava de malas feitas para deixar a Copenhaga e ir para a Suécia, onde se iria reunir com o noivo e começar uma nova vida. No entanto, o brutal homicídio de uma jovem força-a a adiar tal jornada.

Lund é uma mulher divorciada, com um filho adolescente e de tal forma obstinada e concentrada no seu trabalho que se torna ausente da família, também composta pela sua mãe. Esta sua ausência provoca conflitos no seu seios familiar e o facto de, mais uma vez, o trabalho se ter posto à frente das suas obrigações sentimentais, causando um adiamento da sua ida para a Suécia também lhe causará dissabores.

Lund é retratada como uma mulher fria, o que lhe permite distanciar-se e melhor canalizar as suas energias para a resolução dos casos. No entanto, o seu sentido crítico e inteligência, mesmo que muitas vezes implique arriscar demais (a nível profissional, social e pessoal) e a quebrar as regras, são preciosos e a força motriz daquela unidade de investigação. A sua determinação e desespero não ficam contidos no ecrã, permeiam-no e o espectador sente-o. O filho chega a acusá-la de só se preocupar com pessoas mortas, mas no fim de contas, Sarah persegue a verdade.

Esta série acaba por ser pouco ortodoxa pois cada temporada é consagrada à resolução de um crime e cada episódio, que tem a duração de praticamente uma hora, apresenta novos dados, baralhando e distribuindo das cartas outra vez, qual croupier de um casino. Assim sendo, os twists ao longo da trama são notáveis, e chegamos a ficar em suspense completo, bem ao género dos melhores dias de Prision Break.

Outro aspecto pouco comum é o facto de ser dado igual ênfase à família da vítima e à investigação criminal, garantindo que ambas têm igual relevância na série. O drama familiar ganha muita relevância, mas sem cair em clichés e lugares comuns. Aqui há conteúdo e um propósito. Outro tema muito enfatizado é a situação política e social da cidade na altura dos homicídios, no meio das suas tramas e teias obscuras, acabando por afluir ao homicídio e investigação.

A linguagem da série acaba por ser universal, pois o silêncio reina. Os diálogos são escassos e parcos, o olhar muitas vezes fala e a luz foge, permitindo que o silêncio cresça e se exprima. Apesar disto, algumas piadas são possíveis e nascem de forma natural, muitas resultantes da dinâmica entre Lund e o seu par da investigação.

Como Forbrydelsen é, de uma forma objectiva sobre as pessoas e não sobre o processo criminal em si, essa é a sua mais-valia, o factor que a faz sobressair. Desta forma, as personagens estão bem construídas e cada defeito é realçado, pois o tom de desespero e negrume dominam o enredo. Embora ao longo desta crónica tenha dado especial ênfase A Lund, devido à sua complexa natureza, intricada personalidade e compromisso com o exaustivo processo de busca, as outras personagens são igualmente bem construídas e cativantes. De notar também que a própria cidade de Copenhaga, escura, cheia de mentiras é também ela uma personagem.

E assim termino, com uma Copenhaga quase Gotham City e uma heroína pouco convencional, qual Cavaleiras das Trevas, que voltou a popularizar um estilo de camisolas. E como os X-Files preconizam, The truth is out there.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s